
A cadeia de custódia de vestígios digitais tornou-se um elemento decisivo para assegurar a validade jurídica de provas em investigações e julgamentos no sistema de Justiça brasileiro. Desde a promulgação do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), estabeleceu-se a exigência de procedimentos formais capazes de documentar cada etapa percorrida por um vestígio. Isso inclui fases desde sua coleta por um perito até a análise, armazenamento e apresentação judicial. Entretanto, a legislação não definiu os mecanismos técnicos necessários para garantir a integridade e a auditabilidade desses registros. Há, portanto, uma lacuna crítica em processos envolvendo provas digitais.
Recentemente o tema da padronização avançou em nível nacional. O Conselho Nacional de Justiça instituiu em novembro de 2025 um grupo de trabalho para desenvolver uma regra única para o tratamento de provas digitais. Com isso, espera-se definir protocolos técnicos, parâmetros de integridade e modelos padronizados de procedimento, reconhecendo os riscos envolvidos na ausência de critérios nacionais robustos. Até hoje, em muitos órgãos públicos, a gestão da cadeia de custódia ainda ocorre de forma manual. O uso de planilhas e armazenamento físico em HDs externos fragiliza a segurança jurídica e abre margem para contestações que podem levar à anulação de provas e interrupção de processos.
É nesse contexto que surge o GT-ChainGuard, no âmbito do Projeto Ilíada, coordenado pelo professor Renato Hidaka Torres, da Universidade Federal do Pará (UFPA). O grupo propõe uma solução que utiliza a tecnologia blockchain para registrar e garantir a integridade, autenticidade e rastreabilidade da cadeia de custódia de evidências digitais.
Objetivos da plataforma
A plataforma integra uma aplicação web destinada à gestão dos processos e à auditoria da cadeia de custódia, permitindo consulta, rastreabilidade e verificação independente das informações registradas. Esse ambiente centraliza o histórico de movimentação das evidências e garante transparência no fluxo operacional entre diferentes instituições envolvidas.
Complementando a solução, um aplicativo mobile voltado a peritos possibilita a coleta de vestígios em campo, mesmo em locais sem conectividade. O app opera em modo offline, realiza a captura de imagens com geração automática de hash no momento da coleta e registra metadados criptográficos, como geolocalização, data, hora e informações do dispositivo, que são posteriormente sincronizados e preservados em uma rede blockchain Hyperledger Fabric, assegurando registros imutáveis de cada ação vinculada às evidências.
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O projeto foi desenvolvido em parceria com o Ministério Público do Estado do Pará, que contribuiu com a realidade operacional e validou os principais desafios enfrentados atualmente. A solução já despertou interesse da Polícia Científica do Estado do Pará e do Ministério Público Federal, demonstrando seu potencial de escalabilidade e relevância para o ecossistema jurídico nacional. O GT-ChainGuard também se destaca como caso de formação acadêmica aplicada: a equipe responsável pela implementação é composta por alunos de graduação, que enfrentaram desafios complexos envolvendo arquitetura distribuída, infraestrutura blockchain, interoperabilidade e segurança.
A proposta reforça a convergência entre inovação tecnológica, transparência institucional e fortalecimento da Justiça Digital no Brasil, ao demonstrar que é possível superar limitações operacionais e aumentar a confiança pública por meio de soluções de registro distribuído e auditabilidade independente. Com seus próximos passos voltados à validação em ambiente real, integração com sistemas judiciais e evolução dos módulos de auditoria e governança, o GT-ChainGuard aponta o caminho para uma nova geração de sistemas confiáveis para a proteção de evidências digitais.
Fontes: Convergência Digital