
Reconhecido por integrar o seleto grupo dos World’s Top 2% of Most Cited Scientists (Stanford/Elsevier/Scopus, 2022-2023-2024), Maciel M. Queiroz, professor associado na FGV EAESP – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, tem como principal foco de pesquisa as fases de adoção e difusão de tecnologias emergentes associadas à Indústria 4.0.
Em entrevista ao Observatório Nacional de Blockchain, o professor Maciel compartilhou uma visão que vai além da tecnologia: o sucesso da implementação da blockchain no país é uma questão de estratégia, cultura e, acima de tudo, confiança. Ele tem analisado as barreiras e oportunidades que marcam a trajetória da blockchain no Brasil e no mundo. Um de seus trabalhos mais citados comparou processos de adoção dessa tecnologia na área de logística e cadeia de suprimentos nos Estados Unidos e na Índia.
“Este trabalho trouxe alguns insights sobre barreiras estruturais e culturais em economias emergentes, tais como a falta de infraestrutura de TI e a falta de confiança dos stakeholders afetarem a adoção da tecnologia. Sua contribuição teórica é igualmente relevante: expandimos um modelo clássico, a Teoria Unificada de Aceitação e Uso de Tecnologia (UTAUT), contemplando fatores que influenciam a tomada de decisão e a gestão da adoção da blockchain em organizações, em um nível mais individual, dos gestores”, comenta ele sobre o modelo que busca explicar como e por que as pessoas aceitam e utilizam uma nova tecnologia.
Desde sua publicação em junho de 2019, o artigo já acumula 1.300 citações até agosto de 2025. O número gera satisfação, mas também levanta um alerta importante sobre os rumos desse debate científico. “Esse artigo é mais conhecido no exterior do que no Brasil. Ele possui um tom menos técnico, concentrando-se em analisar quais fatores um tomador de decisão considera ao adotar a tecnologia e, posteriormente, como conduz a gestão das equipes nesse processo”, comenta ele, que tem quase 80% de sua produção científica realizada em colaboração internacional por conta da rede que teve que desenvolver quando começou a pesquisar a temática e não encontrava pares no país.
Segundo Maciel, a adoção da blockchain no Brasil ainda enfrenta entraves, como a falta de infraestrutura, a capacitação insuficiente e a desconfiança nas relações entre parceiros. “A blockchain exige um nível de maturidade entre os atores da rede. Em países desenvolvidos, onde há maior maturidade digital, confiança e transparência já estão incorporadas à cultura organizacional. No Brasil, ainda há barreiras importantes. Esses fatores não inviabilizam os projetos, mas limitam o alcance de seus resultados. Para avançarmos, é fundamental criar condições reais para que a descentralização e a transparência do blockchain se concretizem”, explica.
Casos de uso da tecnologia
Entre os exemplos de aplicação de blockchain na cadeia de suprimentos, o professor destaca iniciativas de rastreabilidade em cadeias alimentares, como a de café para exportação, que exige alto nível de competitividade e também regulação ou agências fiscalizadoras que exercem um papel de enforcement, pressionando as organizações a se adaptarem com soluções que assegurem rastreabilidade e transparência. Para além do setor de alimentos, Maciel destaca outros exemplos, como o uso do token do BNDES para acompanhar recursos públicos e as soluções desenvolvidas pela Suzano para monitorar práticas ESG.
“A blockchain é uma tecnologia versátil, capaz de ser implementada em qualquer setor da economia. Pode atender desde transações rotineiras até rastreabilidade e monitoramento de cadeias produtivas. Ainda temos poucas ações estruturadas no Brasil, mas acredito que, nos próximos cinco anos, veremos uma expansão expressiva dessas iniciativas.”
No âmbito do setor público, Maciel e outros pesquisadores publicaram um artigo que examina como a blockchain tem sido empregada para enfrentar problemas estruturais e promover mudanças significativas nas operações governamentais. Foram analisados 167 projetos de transformação baseados em blockchain no setor público europeu.
“Nossa pesquisa mostrou que a blockchain está sendo aplicada em cinco tarefas centrais de tomada de decisão governamental: fiscalização, monitoramento e regulação, adjudicação, serviços públicos e gestão interna. Os maiores benefícios aparecem em áreas como serviços públicos gerais, assuntos econômicos, educação, saúde, proteção social, meio ambiente, segurança pública e habitação. Os projetos analisados apontam que a tecnologia contribui para reduzir custos, aumentar a transparência e a capacidade de resposta, melhorar a gestão de recursos e diminuir o risco de corrupção”, analisa.
Reflexões sobre o futuro
Olhando para o futuro, o professor descarta a ideia de uma concorrência entre blockchain e a Inteligência Artificial, a tecnologia do momento. Pelo contrário, ele vê um enorme potencial na sinergia entre as duas. “Um agente autônomo de IA pode melhorar de maneira muito significativa os scripts dos contratos inteligentes, entender a dinâmica e monitorar as transações na rede”, explica. Essa combinação pode, por exemplo, gerar dashboards de auditoria em tempo real, levando a transparência a um novo patamar e facilitando a gestão para os tomadores de decisão.
Mesmo com os avanços da pesquisa em blockchain, o professor aponta para a necessidade de mais estudos longitudinais, sobre as fases pós-implementação, e os casos de insucesso. Segundo ele, é possível aprender com os erros e recalibrar o curso de futuros projetos, uma abordagem essencial para a maturidade da tecnologia no país.
“Apesar de as empresas no Brasil já estarem mais maduras digitalmente, poucas empresas estão de fato na indústria 4.0. Estamos na 3.0 ou 2.0, ou no mix de 2.0 para 3.0., muito por conta da falta do entendimento da tecnologia”, constata. Uma das principais responsabilidades da academia, na visão do professor, é traduzir o conhecimento técnico dos periódicos de alto impacto para uma linguagem mais acessível aos gestores, utilizando canais como blogs e podcasts, tornando-se um catalisador de inovação na sociedade.
“Para que o blockchain avance no Brasil, é preciso construir pontes. Pontes entre parceiros de negócios, baseadas em confiança, e pontes entre a academia e o mercado, traduzindo o potencial da tecnologia em uma linguagem clara e focada em resultados”, finaliza Maciel.
Sobre o entrevistado
É Professor Associado na FGV EAESP e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Possui Doutorado (2017) e Mestrado (2011) em Engenharia Naval e Oceânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Também é Embaixador Regional da Divisão OSCM do Academy of Management para a América Latina/Sul. É Editor Associado Sênior do International Journal of Logistics Management, Editor Associado do International Journal of Management Reviews e Editor Regional de Impacto Real para a América Latina/Sul no Journal of Knowledge Management. Foi reconhecido entre os 2% de cientistas mais citados do mundo (Stanford/Scopus–Elsevier, 2022–2024).