
A equipe do Observatório Nacional de Blockchain conversou com a pesquisadora Dianne Medeiros, doutora em Engenharia Elétrica com foco em Teleinformática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora na Universidade Federal Fluminense (UFF), que atua na área de redes de computadores e, desde 2018, mergulhou no universo blockchain. Sua trajetória é um exemplo de como a pesquisa aplicada em blockchain pode abrir portas para inovações que vão muito além do mercado financeiro.
Um dos temas que mais chamou atenção durante a conversa foi a aplicação de blockchain em controle de acesso e identidade digital descentralizada – uma frente de trabalho que ela desenvolve atualmente no Projeto Ilíada, que é uma parceria entre a RNP e o CPQD sob coordenação da Softex. A professora participa do GT-PIDDF (Grupo de Trabalho em Plataforma de Identidade Digital Descentralizada e Federada), cujo objetivo é criar uma plataforma de identidade digital distribuída, capaz de registrar tentativas de acesso por meio de contratos inteligentes, definir permissões e emitir tokens de autorização.
Blockchain privada: custo zero e aplicabilidade real
Um dos maiores equívocos que ainda ronda o universo da tecnologia blockchain é a ideia de que sua adoção sempre envolve custos financeiros elevados e impacto ambiental significativo. De acordo com a professora, esse é um mito que precisa ser derrubado, especialmente quando falamos de blockchain privada.
Outro avanço importante está nos protocolos de consenso modernos, que substituem o intensivo mecanismo de “prova de trabalho” (proof of work) por alternativas mais eficientes como “prova de autoridade” ou “prova de participação”, que podem ser aplicados a ambientes públicos. Além disso, em ambientes permissionados, podem ser empregados protocolos tradicionais baseados em tolerância a falhas bizantinas (BFT), que dispensam processos de mineração dispendiosos, uma vez que os participantes são identificáveis e existe um grau prévio de confiança entre eles.
Esses modelos demandam menos energia e poder computacional, tornando a blockchain uma opção real até mesmo para dispositivos com recursos limitados, como os utilizados em Internet das Coisas (IoT) e na área da saúde, dois campos nos quais Dianne tem forte atuação.
Outro avanço importante está nos protocolos de consenso modernos, que substituem o intensivo “prova de trabalho” (proof of work) por mecanismos como “prova de autoridade” ou “prova de participação”. Esses modelos demandam menos energia e poder computacional, tornando a blockchain uma opção real até mesmo para dispositivos com recursos limitados, como os utilizados em Internet das Coisas (IoT) e na área da saúde, dois campos nos quais Dianne tem forte atuação.
A pesquisadora, no entanto, mantém uma visão crítica sobre o uso de blockchain em IoT. Ela argumenta que muitas propostas na área permanecem excessivamente teóricas, esbarrando em limitações práticas de custo, escalabilidade e complexidade de implementação. Enquanto isso, aplicações em saúde e governança demonstram oportunidades mais concretas e urgentes. Em projetos anteriores e em andamento, como o Ilíada, a tecnologia tem sido aplicada em:
- Controle de acesso e identidade descentralizada: garantindo que acessos a recursos ou dados sensíveis sejam autorizados e registrados de forma imutável.
- Registro de procedimentos e auditoria: criando um histórico confiável de tentativas de acesso, essencial para ambientes como hospitais e instituições públicas.
A percepção de que blockchain é cara ou inviável impede que organizações explorem seu potencial como “cartório descentralizado”, capaz de trazer transparência, segurança e rastreabilidade para setores como educação, saúde e governo. Com a devida escolha tecnológica e entendimento do contexto, a blockchain privada se mostra não só acessível, mas estratégica para a inovação no Brasil.
Academia e setor empresarial: uma parceria necessária para a inovação
Um dos pontos centrais levantados pela pesquisadora é a necessidade de uma maior sinergia entre a academia e o setor privado para impulsionar a inovação no Brasil. Ela argumenta que, enquanto a comunidade de pesquisa nacional é brilhante e “faz milagre com os recursos limitados que tem”, ainda há uma desconexão cultural com as empresas.
O distanciamento entre o empresariado e academia gera um ciclo prejudicial: as empresas buscam produtos rentáveis de curto prazo e hesitam em investir em pesquisa de base ou aplicada, desenvolvem seus trabalhos majoritariamente com recursos governamentais.
Ela aponta que as empresas geralmente enxergam a academia com ceticismo, enquanto os pesquisadores dependem excessivamente de recursos governamentais, cada vez mais escassos. Projetos com infraestrutura compartilhada e bolsas de pesquisa ajudam a superar essas limitações, mas é fundamental avançar na colaboração efetiva entre os setores. “Sem recursos para aquisição de equipamentos e para os alunos, não conseguimos avançar. São eles que colocam a mão na massa e fazem a tecnologia acontecer”, conclui.
Sobre a pesquisadora
Dianne Scherly Varela de Medeiros é atualmente professora do Departamento de Engenharia de Telecomunicações da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela obteve seu título de D.Sc. em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2017. Entre 2015 e o final de 2016, realizou intercâmbio na Université Pierre et Marie Curie (UPMC), em Paris, França, para desenvolver parte de seus estudos de doutorado. Dianne recebeu o título de M.Sc. em Engenharia de Telecomunicações pela UFF, em 2013, e o título de B.Sc. em Engenharia de Telecomunicações pela mesma universidade, em 2011. Ela também possui certificado de especialização em Redes de Computadores, obtido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em 2013.